A história de Igor Girão: a vida após Encefalomielite Disseminada Aguda (ADEM)
14 de maio de 2025 - 09:10
Assessoria de Comunicação do HGF
Texto: Eva Sullivan
Fotos: Arquivo pessoal
Arte: Eva Sullivan
Mais do que um centro de referência em saúde, o Hospital Geral de Fortaleza é, há 56 anos, cenário de reencontros com a vida. Neste aniversário, resgatamos histórias de pessoas que encontraram, no hospital, não apenas tratamento, mas também sentido, coragem e transformação.
Uma dessas histórias é a de Igor Peixoto Torres Girão, 38. Antes de se tornar escritor, bibliotecário e referência na luta por acessibilidade cultural no Ceará, Igor Girão era um jovem atleta que sonhava com o vôlei. E “Eu era aquele adolescente que se achava”, brinca, ao lembrar do tempo em que jogava pela Seleção Cearense de Vôlei, treinava no BNB Clube e ganhava bolsa em colégios particulares graças ao esporte.
Mas, a vida o levou para longe das quadras quando decidiu colocar um piercing para comemorar o seu aniversário de 17 anos. Na mesma semana, durante um treino, levou a primeira e única bolada no rosto. O impacto atingiu o local do piercing e infeccionou. “Era para ser uma infecção comum, mas a bactéria encontrou uma porta aberta e foi direto para o sistema nervoso”, conta.
O diagnóstico veio: era Encefalomielite Disseminada Aguda (ADEM), uma doença neurológica grave que compromete visão, locomoção e outras funções. Durante três meses, Igor ficou na UTI do HGF. “Fui tratado tão bem quanto qualquer outro paciente, mas tinha algo que chamava atenção: a juventude e a minha vontade de viver”, conta.
Mesmo sem poder falar, por conta da traqueostomia, ele buscava formas de se comunicar.
Foi nessa troca com médicos, enfermeiros e técnicos que ele encontrou conforto e motivação. “Tinha médico que tocava violão, e eu também tocava, escrevia algumas músicas, então a gente conversava muito sobre isso, sobre esporte. Tinha um profissional com filho da minha idade. Enfim, eu queria viver, e quem quer viver contagia”, diz.
Da UTI à reabilitação
Após a UTI, Igor seguiu para a Ala de Internação de Longa Permanência e, em seguida, iniciou um longo processo de reabilitação. Fisioterapia, hidroterapia, terapia ocupacional… tudo passou a fazer parte da sua rotina. “Eu entendi que não era sobre fazer essas coisas só para melhorar. Era sobre fazer coisas para viver. Isso virou parte de mim, da minha identidade”, conta.
Igor, família e equipe do HGF celebrando seu aniversário na enfermaria do hospital
Antes da doença ele já tinha um olhar sensível para o mundo e colocava isso em suas composições e poemas. Com o passar do tempo, percebeu que a essa sensibilidade, que não tinha a ver com delicadeza, mas com empatia, continuava ali. Algo essencial para a sua nova jornada. “A arte sempre esteve ali comigo. Ficou adormecida por um tempo, mas nunca foi embora. Sinto que ela estava só esperando a hora certa para voltar e voltou quando entendi que precisava me expressar para não implodir”, conta.
Entre os sonhos, estava a vontade de estudar. Com deficiência visual decorrente do agravamento de um glaucoma congênito, Igor teve que reaprender até mesmo a usar o computador. Ele aprendeu a digitar sem enxergar o teclado, a escrever de novo. E percebeu que ainda tinha muito a dizer. “Ganhei meu primeiro concurso de poesia no Instituto de Cegos. A partir dali, entendi que minha voz podia alcançar outras pessoas”, lembra, emocionado.
Primeiro mestre com deficiência múltipla em Ciência da Informação no Brasil
Igor Girão é bibliotecário da Biblioteca Pública Estadual do Ceará, onde coordena o setor de Leitura e Acessibilidade.
Movido pela vontade de continuar aprendendo e transformar a própria história em ferramenta de transformação social, Igor seguiu firme nos estudos. Após se formar em Biblioteconomia, decidiu encarar mais um desafio: o mestrado.
“Foi uma jornada longa, solitária e desafiadora. Havia pouca ou nenhuma ferramenta de acessibilidade para pesquisa, leitura de artigos, organização de material acadêmico”, relembra.
Pesquisou, escreveu, defendeu sua dissertação e tornou-se o primeiro brasileiro com deficiência múltipla a conquistar o título de mestre em Ciência da Informação.“Enquanto eu aprendia a defender meus pontos de vista e escrever academicamente, também estava me descobrindo de novo como pessoa. Foi um processo duplo: intelectual e existencial”, conta.
Além do trabalho como bibliotecário, Igor é escritor. Publicou seu primeiro livro, Além do Véu, em 2021. O título ganhou uma nova edição no ano seguinte e chegou a figurar entre os mais baixados da Amazon em seu nicho. A versão em audiobook está disponível gratuitamente no Spotify, um gesto que reflete seu compromisso com a acessibilidade digital.
Igor fala com serenidade sobre as marcas que a deficiência deixou, mas também com firmeza sobre o quanto ainda é preciso avançar no combate ao capacitismo. “A gente não pode esquecer que em cima dessa cadeira também bate um coração. E escrever é, muitas vezes, a forma mais potente de dizer: eu estou aqui”, conta.
O HGF possibilitou que ele estivesse aqui, que pudesse reconstruir sua vida, redescobrir seus talentos e continuar a inspirar tantas outras pessoas com sua história. “Ir ao HGF foi, sim, um divisor de águas. E não só porque salvaram minha vida. Mas porque, ali, eu descobri que ainda havia muito de mim para ser vivido”, finaliza.